JULIANA VINES
DE SÃO PAULO
A infância se transformou em uma corrida rumo à perfeição, e as crianças, em miniexecutivos com agenda cheia de atividades.
É o que argumentam os partidários do "slow parenting" (pais sem pressa),
movimento que prega justamente o contrário: que as crianças tenham
menos compromissos e mais tempo para fazer nada.
A ideia, que tomou corpo na Europa e EUA, ganha força aqui. Na semana
passada, a primeira edição do "SlowKids", evento em prol da
desaceleração da rotina das crianças, levou 1.500 pessoas ao parque da
Água Branca, em São Paulo.
Na programação, atividades nada tecnológicas: oficina de jardinagem,
brincadeiras antigas e piquenique. "As crianças precisam desligar os
eletrônicos e interagir mais com os pais", diz Tatiana Weberman, uma das
criadoras do projeto e diretora da agência Respire Cultura.
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Gabo Morales/Folhapress |
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Vanessa Sheila Dias, 36, e a filha Anne, 8, no "SlowKids", no parque da Água Branca |
Segundo o jornalista britânico Carl Honoré, autor de "Sob Pressão" (Record, 368 págs., R$ 52), muitas crianças têm todos os momentos da vida agendados e monitorados.
"Elas têm dificuldades de serem independentes, ficam sob estresse e são menos criativas", disse Honoré à Folha.
Ele foi o primeiro a usar o termo "slow parenting". "Tudo começou quando
a professora do meu filho disse que ele 'era um jovem artista
talentoso'. Na hora, a visão de criar o novo Picasso passou pela minha
cabeça", conta.
No mesmo dia, ele começou a procurar cursos de arte para o filho, que na
época tinha sete anos, até que o menino disse: "Pai, não quero ter um
professor, só quero desenhar. Por que os adultos querem sempre cuidar de
tudo?".
O puxão de orelha fez com que ele voltasse atrás e começasse a pesquisar
o superagendamento da infância. Segundo ele, tudo começa com a boa
intenção dos pais. Mas a vontade de ser o pai perfeito transforma a
educação em um jogo de tudo ou nada.
VIDA DE EXECUTIVO
Para a psicanalista Belinda Mandelbaum, professora do Instituto de
Psicologia da USP, a educação de resultados antecipa o ensino de
ferramentas para competir no mundo corporativo. "Vejo crianças
aprendendo mandarim porque os pais acham ser importante para o futuro."
Quando o empresário Marcelo Cesana, 38, diz não ter pressa de que o
filho Caio, 1, aprenda a falar, a ler e a escrever, questionam se ele
não vai ter dificuldade para trabalhar. "Me acham bicho do mato, mas não
quero antecipar as coisas", diz ele, que levou a família ao "SlowKids".
A gerente de supermercado Vanessa Sheila Dias, 36, também foi ao evento
com a filha Anne, 8. O domingo no parque faz parte da ideia de reservar
um dia para fazer nada. "A rotina da semana é maluca, passo a ansiedade
para a Anne", diz ela, que já se pegou pedindo que a filha comesse um
lanche de fast food mais rápido.
Anne não faz atividades extraescolares. Já os filhos da psicóloga
Patrícia Paione Grinfeld, 41, fazem natação, mas só aos sábados.
"Outros pais me perguntam: 'Eles não fazem nada durante a semana?' Como
se fosse algo errado!", conta Patrícia. "Quero que crianças venham
brincar com meus filhos, mas todas são ocupadas, tem que marcar antes."
As atividades extras não garantem que a criança vá aprender mais, diz
Mandelbaum. "Muitas vezes, elas só aprendem a se adaptar a esse ritmo
louco."
O primeiro efeito da correria é a ansiedade, diz a neuropsicóloga
Adriana Fóz, coordenadora do projeto Cuca Legal, da Unifesp. "A criança
fica frustrada pelo excesso de atividades e pela falta [quando se
acostuma à agenda cheia]. Fica entediada com mais facilidade."
Não que toda atividade extra deva ser evitada, mas é preciso respeitar o
tempo da criança. "Até os cinco anos os estímulos têm que ser mais
naturais", afirma Fóz.
De seis a 12 anos, é hora de aprender de forma mais sistematizada, diz
ela. Aí é preciso conciliar o que os pais consideram ser importante com o
desejo e as habilidades da criança, cuidando para que ela tenha tempo
livre.
"O ócio estimula a criatividade e a curiosidade por temas e experiências
diversas", afirma a educadora e antropóloga Adriana Friedmann.
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2013/11/1370057-movimento-prega-a-desaceleracao-da-rotina-das-criancas.shtml