quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Dê tempo ao tempo do seu bebê

Especialista em educação infantil condena a superestimulação e defende a importância de os pais ficarem mais despreocupados para melhorar a qualidade da relação familiar

Por Andressa Basilio - atualizada em 20/12/2013 16h25
brincadeira; escola; amigos; criança (Foto: Shutterstock)
Antes mesmo de o bebê nascer, os pais começam a planejar o seu futuro. Nessa ânsia de tentar controlar todos os passos da criança, para que ela se saia bem na vida, existe uma coisa muito importante que pode ficar comprometida: o tempo. Por isso, cada vez mais pessoas estão se comprometendo com a ideia do slow parenting, que teve início nos Estados Unidos e nada mais é do que a desaceleração da rotina dos pais para que deixem seus filhos mais tranquilos para curtir da vida. Com atitudes simples, e uma dose de “despreocupação”, as famílias conseguem melhorar a qualidade de vida.

O pedagogo Paulo Fochi, coordenador do curso de Educação Infantil da Unisinos, no Rio Grande do Sul, é um dos porta-vozes do movimento aqui no Brasil. Em suas palestras, ele defende que o melhor jeito de praticar o slow parenting é começando cedo, a partir do momento em que o bebê chega ao mundo. CRESCER conversou com ele para entender de que maneira os pais podem melhorar a vida dos filhos. Veja abaixo:

CRESCER: De que forma estamos acelerando os bebês?
Paulo Fochi:
No Brasil, assim como em outros países, as crianças estão saindo da vida privada (família) e indo para a vida pública (escola) cada vez mais cedo, com 4 ou 5 meses de vida. Refletir sobre esses processos de educação compartilhada torna-se fundamental nos dias de hoje. Logo, quando falo e critico a aceleração que adultos e a sociedade estão colocando aos bebês, me refiro também, e especialmente, a esses recém-chegados ao mundo. Mesmo os bebês bem pequenos estão vivendo a partir de uma agenda de tarefas cada vez maior, seja na sua experiência na escola, seja em casa com seus pais. Bom seria se, com a vinda deles, aprendêssemos a estabelecer um “contrato” diferente com o tempo e, em vez de inventarmos atividades para os bebês, criando agendas e tentando descobrir quais são os novos produtos, aulas e afazeres que o mercado criou pra eles, tentássemos organizar e garantir que o tempo de estar juntos pudesse ser maior, mais intenso e mais despreocupado. Não há nenhuma atividade melhor que a incrível possibilidade de estar com o outro e, para tal, não é necessário criar brincadeiras, inventar jogos ou atividades especializadas. Agora é a hora de aventurar-se na tarefa que implica aprender a estar com os outros. E isso requer tempo.

C.: Em entrevistas anteriores, você se refere a uma superestimulação dos bebês. O que seria isso e quais as consequências para as crianças?
P.F.:
Os pais costumam ficar desesperados para acelerar e apressar os pequenos a chegarem antes em algum lugar misterioso. São práticas que privam o bebê de efetivamente participar de um percurso que, a princípio, ele é que deveria estar inteiramente ativo. Na verdade, as premissas de estimulação partem de um pressuposto que entende os bebês como passivos e incapazes de eleger. Eu não concordo com isso e, por essa razão, sou contra qualquer tipo de estimulação externa e que tira a centralidade da criança.

C.: Você pode dar um exemplo?
P.F.:
Colocar os bebês de barriga para baixo para que eles possam caminhar mais cedo é um estímulo inadequado. Fazer isso é como pedir que, em nosso trabalho, fiquemos numa posição corporal totalmente inadequada e desconfortável durante o expediente. Em vez disso, o melhor é que os bebês não fiquem presos em cadeiras de balanço e possam estar no chão, explorando e descobrindo o seu entorno. Essa é a melhor forma de garantir boas oportunidades às crianças. Quero ainda destacar que não só falo da super, da hiper, mas da estimulação externa como um todo. Passou-se a encarar a vida, em especial a ideia de educar uma criança pequena, como um empreendimento do futuro. Por isso, parte-se da ideia de um bebê passivo e em falta e que precisa ser estimulado para ser ativado e preenchido com aquilo que parece ser a garantia da sua felicidade.

C.: Em que sentido a estimulação pode ser ruim?
P.F.:
Ando muitíssimo preocupado com pais e escolas que estão associando agendas lotadas como sinônimo de qualidade de vida dos filhos. Por favor, perguntem a eles: “Vocês estão felizes, crianças?”. Creio que a resposta seja: “Nós estamos cansados”. Colocar as crianças nesse ritmo da produção, do capital, é como aniquilar sonhos, aniquilar a nossa potente capacidade de criar e recriar uma nova visão de mundo. Se não tivermos tempo – e não criarmos o tempo – para experimentar, testar, abandonar e retomar um projeto, seja ele da natureza que for, perderemos esse que é fator primordial da nossa condição humana: o inédito, o novo, a possibilidade de dar novas oportunidades ao mundo.
C.: Então, o que os bebês devem ter ou receber no berçário?
P.F.: Na escola, inventam-se aulas disso e daquilo e, muitas vezes, cria-se um cenário repleto de estímulos sonoros, visuais e táteis. Só que os bebês não precisam ser ativados, eles já são muito ativos e têm o impulso de conhecer o mundo. Hoje, no Brasil, com as Novas Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, os educadores estão apostando cada vez mais na educação autônoma e de movimentos livres. Entende-se que um currículo para uma escola que atenda crianças de 0 a 6 anos compreenda as práticas do cotidiano como uma das formas de construir conhecimento. Comer, por exemplo, é uma grande aprendizagem. Como estamos pensando sobre isso em nossas escolas? Não me refiro apenas a uma alimentação saudável, mas também à prática social de estar à mesa com seus pares (os outros bebês), de conseguir operacionalizar o movimento de levar, apoiado por um instrumento (colher), o alimento até a boca ou, ainda, servir-se com os alimentos que deseja. Esses são conteúdos que as escolas de hoje precisam entender como práticas curriculares.

C.: Precisamos dar um tempo para o bebê ser bebê. Qual é, na prática, o significado dessa frase e por que isso é importante?
P.F.: Esse é um tempo que não tem chance de ser recuperado. Só somos bebês ao chegar ao mundo. Na prática, dar tempo para o bebê ser bebê é eliminar as agendas de atividades, é garantir um espaço adequado para explorar o mundo, é parar com essa ideia de antecipar algo que pode ser descoberto depois, quando tiver muito mais sentido. Estou me referindo a um entorno diferenciado, em que as expectativas demasiadas dos pais em relação aos filhos precisam ser abandonadas. A psicanálise já nos ensinou o quanto perverso e terrível é para os bebês nascerem com uma história já narrada, anunciada e determinada pelos adultos.

C.: Como os pais podem “pisar no freio”?
P.F.: Minha preocupação tem sido alertar pais e professores que aceleram seus bebês. Entendo que uma coisa possa estar relacionada a outra, mas os bebês ficam sem escolha, não lhes dão oportunidades de eleger o que fazer. Os adultos precisam aprender a escutar aqueles que não são portadores da palavra, portanto, fazer uma escuta muito mais profunda e intensa, que se dá através de um diálogo de olhares, do contato entre os corpos, de sorrisos... Penso que, quando aprendemos a fazer essa escuta, descobrimos a imensa capacidade que as crianças bem pequenas têm de admirar o mundo, de contemplar e entrar em acordo com o tempo, que não é tão horizontal – do antes, agora e depois. Ele é um tempo mais vertical, medido pela intensidade dos acontecimentos. Eu, particularmente, aprendi no convívio com os bebês a pensar sobre o tempo. Descobri que dispensava tempo, e ainda dispenso, com coisas que não valem tanto assim.
 
Fonte: http://revistacrescer.globo.com/Bebes/Desenvolvimento/noticia/2013/12/de-tempo-ao-tempo-do-seu-bebe.html

Dos bebês nascem coisas


DOS BEBÊS NASCEM COISAS
Percurso formativo para professores e gestores de Educação Infantil

Da paixão que tenho em Rodari a Munari nasce o título fantástico deste percurso formativo. O primeiro, um importante nome na literatura infantil, grande filósofo e conhecedor dos temas da criação, da fantasia e da imaginação que contribuiu com as reflexões da Pedagogia Italiana. O outro, também italiano, aparece como um dos principais nomes no cenário mundial na área do design, da arquitetura e da comunicação. Esses dois autores, um que gostava de brincar com as palavras e o outro, que gostava de transcender os métodos tornam-se, neste trabalho, uma referência na elaboração disto que chamo de Percurso Formativo.
O Percurso formativo é compreendido como um conjunto de ações que buscam sublinhar uma reflexão sobre um determinado campo, neste caso, o das Pedagogias para a Pequena Infância. Diferente de um curso, este Percurso propõem aos participantes a produção de uma narrativa individual que parte dos caminhos singulares traçados por cada um, e, na medida em que o percurso formativo acontece, estas experiências já vividas aparecem para ser (re)significadas.
Os encontros formativos, as leituras encaminhadas, os exercícios de registros que serão construídos em um inventário, compõem esse percurso que se coloca aberto para os participantes continuarem mesmo ao final dos encontros.
Assim, a partir da metáfora do nome deste percurso, proponho discutir o que as crianças bem pequenas nos convocam em contextos de vida coletiva e, a luz de um cenário teórico escolhido, refletir o que nasce dos bebês e o que se pode fazer com as “coisas” que emergem de sua relação com o mundo. Este cenário teórico situa-se no campo das Pedagogias para a Pequena Infância, e sendo a Pedagogia um campo da ambiguidade, é neste cenário que alguns interlocutores são chamados a elucidar e auxiliar na reflexão proposta: Loris
Malaguzzi, Emmi Pikler e Jerome Bruner formam este tripé que sustenta o debate.
Vale destacar que não se trata de um percurso formativo que deseja trazer esta ou aquela abordagem para ser “traduzida” em nossos contextos, mas sim, que em um exercício crítico aporta-se nos princípios que estes autores produziram em seus campos de estudo.
No que se refere aos temas que desencadearão os estudos, destaco:
• As proposições atuais das atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, como um instrumento legítimo que orienta a elaboração, execução e avaliação de propostas educativas no Brasil.
• As Práticas Cotidianas como eixo que organiza o currículo e, por isso, as dimensões de tempo, espaço e materiais.
• A articulação do patrimônio de conhecimento das crianças com o patrimônio de conhecimento já acumulado pela humanidade.
• O processo formativo no interior das escolas, travados pelo exercício da observação, do registro e da interpretação das experiências educativas das crianças.
• A produção das narrativas que compartilham e revelam as imagens das crianças, de docência e de conhecimento.
Tais temas estão entrelaçados na possibilidades dos próprios participantes poderem ao longo do percurso ir produzindo reflexões sobre a dinâmica e a produção do conhecimento na escola da infância.
Quanto a dinâmica do percurso formativo, propõem-se encontros quinzenais, de 8 horas, e o encaminhamento de leituras e produção de registros que servirão de observáveis para as reflexões dos encontros.

Paulo Sergio Fochi - Mestre em Educação (UFRGS), Especialista em Educação Infantil (Unisinos); Especialista em Gestão e Organização de Escola (Unopar) e Pedagogo (Unopar). Coordenador e professor do curso de especialização em Educação Infantil da Unisinos, atuou como coordenador Pedagógico e professor de Escola Infantil por mais de dez anos, Supervisor do projeto de Assessoramento técnico-pedagógico do MEC/UFRGS a 167 municípios do RS que aderiram ao Proinfância e consultor e formador de professores, atuando nacional e internacionalmente com os temas do currículo e da Educação Infantil. Autor do blog Catadores da Cultura Infantil e coordenador do OBECI – Observatório da Cultura Infantil. É pesquisador colaborador do GEIN - Grupo de Estudos de Educação Infantil da UFRGS. Organizador de dois livros sobre o tema da Educação Infantil e autor de artigos científicos publicados em revistas da área. Atua também no assessoramento de Redes Municipais de Ensino e a Escolas Infantis, em projetos especiais e no desenvolvimento de produtos e conteúdos para crianças, como o de teatro para bebês - Cuco.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Entrevista: “Estimular os bebês é um equívoco”

Entrevista

Reprodução/Facebook
Reprodução/Facebook /
Educação infantil

“Estimular os bebês é um equívoco”


Paulo Fochi, coordenador e professor do curso de especialização em Educação Infantil da Unisinos, no Rio Grande do Sul

Publicado em 01/12/2013 | Rosana Félix  | Gazeta do Povo (clique aqui para acessar no site do jornal)

Os bebês não precisam de estímulos constantes. São curiosos por natureza e, para que se desenvolvam em plenitude, ações simples, como providenciar um ambiente seguro são suficientes. O pedagogo e educador Paulo Fochi é categórico ao criticar modismos na educação infantil. Para ele, o maior desafio é planejar a educação infantil a partir das necessidades dos bebês. “A produção de conhecimento tem de ser feita de uma forma que tenha sentido para a criança. Há uma tendência atual muito forte para estimular bebês e isso é um equívoco do meu ponto de vista.”
No início de novembro, Fo­chi conquistou a plateia formada por educadores no 7.º Seminário Municipal de Edu­cação Infantil, em Curitiba, com sua visão sobre o tema. Por telefone, ele conversou com a Gazeta do Povo:
Qual é o maior problema que observa na educação infantil?
Compartilho com os estudos que indicam que o grande desafio para a educação infantil, para as crianças de zero a 6 anos, está em descobrir como é ser professor sem dar aula, presente também nas Diretrizes Curriculares Nacionais. Mas é preciso atentar que isso não significa deixar a coisa acontecer espontaneamente. A produção de conhecimento tem de ser feita de uma forma que tenha sentido para a criança. Há uma tendência atual muito forte para estimular bebês e isso é um equívoco do meu ponto de vista.
Quais estímulos são equivocados?
Você já deve ter visto diversas coisas do tipo: o adulto coloca o bebê de barriga para baixo para que seu corpo fique firme para quando for caminhar. Há uma ação para fazer o bebê caminhar mais cedo. Misteriosamente, depois que ele caminha, os pais querem que ele fique sentado, parado, em um cadeirão. O mesmo acontece com falar. Já vi professoras passando batom vermelho na boca e falando, com a boca bem aberta, de forma exagerada, na frente do bebê, com a intenção de estimular a fala. Mas, quando ele começa a falar demais, os adultos pedem para ficar quieto. Há uma esquizofrenia em casa e na escola. Dão carrinhos, coisa com som, que fala, que pisca, para que, dois ou três anos depois, seja necessário procurar um médico para perguntar: como posso acalmar meu filho? E aí o médico receita medicamentos. Tenho uma premissa que a gente tem que dar tempo para o bebê ser bebê. Cada fase deve ser respeitada. Há uma tendência de se criar academia para bebês ou sites que estimulam o ensino de Matemática quando ele ainda está em gestação. Estão criando agenda, aula disso, daquilo. Está entendendo a loucura?
Quais são as particularidades dos bebês?
As descobertas do mundo que o bebê faz em um mês valem uma década na vida de um adulto. O adulto não precisa ficar na frente da criança sacudindo um chocalho freneticamente ou falando de forma abestada. O bebê é curioso para descobrir o mundo, basta dar condições para que descubra. Isso implica que ele fique no chão, não naqueles balanços horrorosos. Não precisa estimular, basta garantir formas de ele fazer isso, proporcionar o que se chama de entorno positivo. O espaço que ele fica, em sala, ou em casa, não deve ser grande, nem pequeno demais, mas suficiente para circular. Tem que ser seguro, sem a necessidade de um adulto em volta, falando: ‘não faz isso’, ‘não faz aquilo’. O adulto deve se manter no campo visual e auditivo da criança, sustentando-a emocionalmente com sua presença, mas sem interromper ou intervir nas experiências dela. É preciso ter desafios para a criança, aos quais ela se dedicará quando aquilo se configurar como um desafio.
Como por exemplo...
Uma caixa no meio da sala, que faz um degrau. O bebê vai subir e descer engatinhando, quando estiver pronto para aquilo. Isso promove a descoberta de seu corpo, que vai providenciar uma organização para executar a ação de caminhar. O entorno positivo exige materiais adequados. Que encaixam, que dão para empilhar, que cabem um dentro do outro. Não precisa ser da Fisher Price ou outra marca famosa. Caixas, potes. Isso dá possibilidade de a criança descobrir o mundo.
Como convencer os pais que não é preciso tantos estímulos para os bebês terem um bom desenvolvimento?
Na verdade, os pais estão no direito de ignorância deles sobre o assunto. O que a gente precisa é de professores que tenham um argumento melhor que a Ana Maria Braga, entende o que digo? Os pais têm direito de achar interessante aquilo que a Ana Maria Braga mostrou para o neto dela, aquilo que a Adriane Galisteu fez para o filho dela, essas modinhas que aparecem no Facebook e na televisão. Quem tem que mostrar que isso não é benefício é a escola, o professor. Pensar o processo educativo nos primeiros anos de vida tem que ser processo de corresponsabilidade família e escola. Isso implica chamar os pais para o diálogo e mostrar o que é aprender na infância, qual o valor da experiência de vida dessas crianças.
O ensino em período integral é benéfico para a criança?
Se a escola for boa para a criança, sim. O ideal seria ficar um turno com a família, outro na escola. Mas as famílias não se organizam assim, a rotina de trabalho dos pais não é essa, independentemente se são ricas ou pobres. Então temos que pensar, nesse tempo em que as crianças estão na escola, 10, 12 horas, é preciso construir um processo educativo de qualidade. Não são dois turnos de trabalho, é outra relação. É preciso compreender que a experiência educativa, aprender a comer, o ritual do sono, o deslocar pela escola é uma grande aprendizagem, tem que ser pensada ao longo da jornada. Depois, os pais precisam refletir como será o tempo que passarão com os filhos, que não pode ser mediado pela televisão. Que seja de encontro, conversa, carinho.
Qual a maior dificuldade para termos o ensino infantil integral de qualidade?
Há um desafio financeiro, mas vai além disso. É um desafio conceitual. Precisamos mobilizar os gestores públicos para compreenderem o que é infância, o que é ser criança, numa fase anterior a essa proposta de financiamento, até para que o financiamento se dê de forma correta.