A etimologia da palavra infância é a reunião do prefixo de negação in, e o radical fare, que significa falar, dizer. Eu acredito que o longa Território do Brincar é um filme que propõem uma infância que fala, que diz. É, então, uma obra sobre as fâncias. Aliás, é um filme de fios, de fogo, de faca, de força, de fabulações. Esse é um Filme que guarda nele muitos éfes.
Para fazer este pequeno ensaio, vou brincar com palavras, com os éfes deste filme que quero falar.
Fabulações. Não faltam momentos durante o filme que mostram as crianças fabulando mundos, criando possibilidades para as coisas mais desprezíveis e desprezadas. Os meninos e meninas deste nosso Brasil fabulam mundos possíveis para se viver através de suas brincadeiras. Criam a cultura infantil interpretando a cultura da onde vivem. Produzem novos imaginários a partir do repertório que acessam desde que chegam na cena humana. Não se trata de fabular. Fabular me sugere algo apenas do campo subjetivo. As crianças fabulam em suas ações, por isso, fabulações.
Força. Não sei se todos suportam chegar ao fim do filme. Ele torna visível uma criança repleta de força. Força para suportar inclusive as tantas adversidades das quais estão sujeitadas por este país a fora. Força para criar brincadeiras, para narrar horizontes, mexer na terra, subir na árvore, brincar na beira do rio. Força para fazer história. Não sei se todo o adulto se sente capaz de ver um longa cheio e crianças fortes. Essa força pode assombrar a autoridade a adulta. O amor ao poder que os homens e mulheres grandes tem.
Faca. Talvez, muitos que assistam ao filme poderão ficar surpresos por esta infância com facas. As crianças fazem da faca um objeto que torna possível construir seus brinquedos e brincadeiras. Nesta geografia do brincar, a faca se faz presente nas mãos dos meninos e meninas. A faca não só é um objeto de coragem para as crianças ao manipularem mas, também é um ato de coragem para os adultos que confiam a faca para as crianças.
Fogo. Seja no fogo das histórias assombradas que as crianças narram, seja na brincadeira de comida, ou, na comida de verdade, este elemento faz parte de muitas cenas dos territórios dos meninos e meninas. É também a chama que acende e pulsa nos pés das crianças que pulam, dançam, sobre e descem árvores.
Fios. Nos fios da pipa que conecta os meninos com o céu, nos fios que dançam com as agulhas na costura dos vestidos de bonecas, nos fios que amarram os barquinhos que navegam pelo mar. Fios que que tecem histórias de crianças de norte a sul. Fios que amarram, deixam soltos, começam e terminam pequenas rapsódias da vida de crianças.
Filme. Uma trilha sonora impecável, uma fotografia belíssima, um argumento incrível. Esta é a equação do Território do Brincar. O filme mostra um Brasil que talvez poucos conhecem e, apresenta uma esperança escondida que ainda brilha nos olhos das crianças que vimos ao longo do filme. Não mostra um estereótipo de crianças, mostra, crianças implicadas com os espaços, com os materiais, com os sons, com as pessoas, com o imaginário e o patrimônio cultural. A ausência de adultos explicando qualquer cena, fala ou brincadeira de crianças é algo que me deixou profundamente animado e feliz. Basta-se apenas pelas crianças e suas brincadeiras.
Fâncias. É um filme com crianças. Confiado que a presença suprema de crianças pudesse garantir o longa metragem. Pouco vemos adultos, embora se saiba que tem adultos que estão envolvidos com o cotidiano de cada menino e menina. Mas é um filme que fala do brincar com quem genuinamente sabe o que é brincar. São os práticos do brincar. Além disso, mostra crianças grandes, ou, mostra crianças que ainda não lhe foi roubado a infância, que ainda é possível viver a infância mesmo com mais de 10 ou 12 anos.
Recomendo para todos que que ainda não foram ver o filme, corram. Trata-se de uma experiência singular sobre a cultura da infância, sobre um Brasil desconhecido, sobre uma história e um patrimônio que precisamos preservar.
Aqui quem escreve é alguém de sobrenome éfe, FOCHI, Paulo.
FICHA TÉCNICA
Uma Produção de Maria Farinha Filmes e Ludus Videos
Direção: David Reeks e Renata Meirelles
Produzido por: Estela Renner, Luana Lobo e Marcos Nisti
Produção Executiva: Juliana Borges
Direção de fotografia e câmera: David Reeks
Trilha Sonora Original: composta por Artur Andrés e interpretada pelo Grupo Uakti e convidados
Roteiro: Clara Peltier e Renata Meirelles
Argumento: David Reeks, Gandhy Piorski, Marcos Ferreira Santos, Renata Meirelles, Soraia Chung Saura.
Montagem: Marilia Moraes
Produção de Campo: Beatriz Olival, Daniela Yone Uechi, David Reeks, Fernanda Guimarães, Fernanda Valdivieso, Maria Fernanda dos Santos, Renata Meirelles e Tarcila Rigo.
Captação de áudio: David Reeks, Edvaldo Carneiro dos Reis, Fernanda Guimarães, Fernanda Valdivieso, Francisco Bahia Lopes, Hugo Bodanski, Marcos Gatinho, Maria Fernanda dos Santos.
Coordenação de Pós Produção: Geisa França
Finalização: Paola Baldi
Assistente de produção: Renata Romeu e André Botelho
Assistentes de edição: Bruno Decc, Arlen Tessuto e Maria Clara Pessoa
Assistente de finalização: Cristiane Caffaro e Daniela Bortman
Edição, Mixagem, Design de Som e Restauração de áudio:
Zoo Audio Productions
Dan Zimmerman
Gênero: documentário
Duração: 90 min
Ano de produção: 2015
Comunidades e municípios visitadosAbadia – MG, Acupe – BA, Aldeia Indígena Panará – PA, Alto Santa Maria – ES, Araçuaí – MG, Córrego da Velha de Baixo – MG, Costa da Lagoa – SC, Cururupu – MA, Entre Rios – MA, Jaguarão – RS, Oiteiros – MA, São Gonçalo do Rio das Pedras – MG, São Luiz – MA, São Paulo – SP.